sexta-feira, 24 de abril de 2015

REBELDE, FEITICEIRO, INÍQUO E IDÓLATRA — QUEM MESMO?

Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniquidade e idolatria” (1 Sm 15:23a)

Ontem, em conversa inbox com uma amiga, observamos o quanto este texto bíblico, obviamente extraído de seu contexto e péssimamente interpretado, é largamente usado na tarefa de manter as ovelhas mudas diante de seus pastores e suas atitudes não tão bíblicas. Qualquer questionamento é logo enquadrado como rebelião, e a rebelião comparada à feitiçaria. 

Associada com o “não julgueis” (Mt 7:1) e o “não toqueis nos meus ungidos” (Sl 105:15), se torna uma "trilogia intimidatória" quase perfeita! Afinal, nenhum crente sincero deseja ser um rebelde ou feiticeiro, iníquo ou idólatra... Assim, as ovelhas ficam caladas e mudas diante de qualquer absurdo promovido por seus pastores. Eles podem ser pegos no ato do adultério, ou depositando os dízimos e ofertas da igreja em suas contas pessoais, que não podem ser questionados ou contrariados! São "ungidos", embora não ajam como tal, como bem disse Paulo a Tito: “Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra (Tt 1:16; ler também 1 Jo 2:3-6).

O que muitos, principalmente os líderes, não observam é que o texto foi aplicado exatamente a LÍDERES, e não ao rebanho em si. A fala do profeta e juiz Samuel foi dita contra atitudes de rebelião do líder Saul, que acabara de desobedecer à ordem divina de destruir completamente os amalequitas, suas cidades e seu gado. Basta ler o contexto, a história toda, para comprovar isso! A simples leitura da parte "b" do versículo já esclarece: “Porquanto TU rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou A TI, para que não sejas rei” (1 Sm 15:23b - grifos meus). É interessante observar que Deus não rejeitou o povo, mas rejeitou sumariamente o seu líder!

O contexto, inclusive, é MUITO mais amplo... Ao tentar justificar diante de Samuel a desobediência à ordem divina, vejamos o que Saul alega em seu favor: “Então feriu Saul aos amalequitas, desde Avila, até chegar a Sur, que está defronte do Egito. E tomou vivo a Agague, rei dos amalequitas; porém a todo o povo destruiu ao fio da espada. E Saul E O POVO perdoaram a Agague, e ao melhor das ovelhas e das vacas, e às da segunda sorte, e aos cordeiros, e ao melhor que havia, e não os quiseram destruir totalmente; porém a toda a coisa vil e desprezível destruíram totalmente [...] Então disse Samuel: Que balido, pois, de ovelhas, é este nos meus ouvidos, e o mugido de vacas que ouço? E disse Saul: De Amaleque as trouxeram; porque O POVO perdoou ao melhor das ovelhas e das vacas, para as oferecer ao Senhor, teu Deus: o resto, porém, temos destruído totalmente [...] dei ouvidos à voz do Senhor, e caminhei no caminho pelo qual o Senhor me enviou; e trouxe a Agague, rei de Amaleque, e os amalequitas destruí totalmente; Mas O POVO tomou do despojo ovelhas e vacas, o melhor do interdito, para oferecer ao Senhor, teu Deus, em Gilgal” (1 Sm 15:7-21 - grifos meus). Ou seja, se considerarmos que a iniciativa de poupar o melhor do rebanho para sacrifícios partiu DO POVO, quem foi chamado de rebelde e feiticeiro foi SAUL o líder!

A cobrança divina sempre será maior para os líderes. Tiago nos orienta: “não queirais ser mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo” (Tg 3:1). Os líderes,disse Jesus, serão muito mais cobrados que o rebanho (Lc 12:42-48). Paulo inclusive orienta que líderes sejam repreendidos na frente de todos os outros líderes, para que temam (1 Tm 5:20). Assim, antes de qualquer líder, por mais "ungido" que seja ou se ache, lançar a maldição de rebelde e feiticeiro sobre seus liderados porque eles o questionam em algum aspecto, jamais esqueça que tal maldição é primeiramente lançada sobre ele!

Além disso, é importante observar que questionar com o intuito de corrigir jamais pode ser tratado como rebelião. Observe-se que os diáconos foram instituídos pelos Apóstolos após uma MURMURAÇÃO dos cristãos gregos contra os judeus (At 6:1-7), o que nos mostra que nem toda murmuração, questionamento ou confrontação é maligno e diabólico. Outro exemplo clássico de divergência ocorreu ainda no primeiro século, quando os apóstolos e anciãos da igreja se reuniram em concílio para resolver um problema entre dois grupos, em relação à obrigatoriedade da observância da Lei pelos crentes gentios (At 15); mesmo em meio às discussões, foi possível se chegar a um acordo, e a decisão conduziu a igreja a uma unidade de fé. Observamos assim que até mesmo no seio da igreja pode (e deve!) existir a chamada “crítica construtiva”, que poderá ser usada para corrigir ou melhorar condutas e formas de governo. Ainda no AT, Moisés deu ouvidos a uma crítica de seu sogro, e com isso melhorou sua forma de administrar o sistema judiciário em Israel (Ex 18:13-27).  

É interessante, como demonstramos, jamais esquecer o contexto das Escrituras, jamais usar textos isolados, muito menos para benefício próprio, visando qualquer privilégio ou imunidade! E procurar ser líder segundo o coração de Deus, e nunca segundo seus próprios conceitos!


quinta-feira, 16 de abril de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE PESSOAS NÃO CURADAS NA BÍBLIA


Li o artigo do pr. Renato Vargens sobre "o dia em que Paulo não curou um enfermo" (leia-o clicando aqui), aonde o apóstolo seguiu viagem deixando Trófimo doente em Mileto (2 Tm 4:20). Tal relato da Escritura é contrário aos "papas da teologia da saúde perfeita", um ramo da "teologia da prosperidade" que ensina que temos que orar DETERMINANDO a cura, e que Deus É OBRIGADO a curar imediatamente TODAS as doenças. Tem que DETERMINAR mesmo, pois até usar a expressão "seja feita a Tua vontade" anula a fé curativa! Em seu livro "O Direito de Desfrutar Saúde", R. R. Soares declara: “Usar a frase ‘se for a Tua vontade’ em oração pode parecer espiritual, e demonstrar atitude piedosa de quem é submisso à vontade do Senhor, mas além de não adiantar nada, destrói a própria oração”, e outros "papas" da "teologia da prosperidade" confirmam isso!.



Mas o objetivo do pr. Renato foi tratar somente do caso de Trófimo, pois ele não falou de Timóteo, outro caso semelhante, a quem Paulo, incapaz de curá-lo, dá-lhe uma orientação: “Não bebas mais água só, mas usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades” (1 Tm 5:23). Timóteo não somente tinha problemas de estômago (Gastrite? Úlcera?), mas tinha OUTRAS enfermidades, e estas eram FREQUENTES, e por isso Paulo prescrevia doses terapêuticas, medicinais, de vinho, provavelmente diluído em água... Paulo, igualmente, não conseguiu curar as enfermidades de Timóteo e nem "quebrar a maldição" que havia sobre ele que o levava a constantemente enfermar!

O pr. Renato também não falou de Epafrodito... Paulo relata em outra epístola: “Julguei, contudo, necessário mandar-vos Epafrodito, meu irmão, e cooperador, e companheiro nos combates, e vosso enviado para prover às minhas necessidades. Porquanto tinha muitas saudades de vós todos, e estava muito angustiado de que tivésseis ouvido que ele estivera doente; e de fato esteve doente, e quase à morte; mas Deus se apiedou dele, e não somente dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza sobre tristeza” (Fp 2:25-27). Surpreende-me, à luz da "teologia da saúde perfeita", que Paulo não tenha dito no texto bíblico que fez a oração forte, a prece violenta, e o curou... O relato, pelo contrário, dá a entender que Deus curou Epafrodito quando todos a seu redor já não tinham mais esperança, quando ele estava "quase à morte"...

Se levássemos em consideração os ensinos dos que creem na saúde perfeita do crente, é quase certo que Paulo estava em pecado, ou sem autoridade para que Deus o ouvisse!

A própria vida de Paulo dá a entender que foi uma vida de enfermidades. Escrevendo aos Gálatas ele declara ter adoecido, e esta doença foi o motivo que levou ele à comunidade da Galácia e ali aproveitar a oportunidade para pregar o Evangelho (Gl 4.13). Paulo fala ainda de um problema pessoal, o conhecido "espinho na carne", acerca do qual Paulo orou a Deus três vezes para que o livrasse dele, e a resposta do Senhor foi: “A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12:7-10). Tem havido várias especulações sobre o que seria este "espinho na carne". Alguns estudiosos do Novo Testamento chegam a associá-lo a uma possível enfermidade, um problema crônico nos olhos, pois Paulo escreveu aos mesmos gálatas, na mesma epístola, dizendo: “...se possível fora, teríeis arrancado os vossos próprios olhos para mos dar”, e ainda: “Vede com que letras grandes vos escrevi de meu próprio punho” (Gl 4:15; 6:11), demonstrando dificuldades na escrita, talvez por problemas de visão (o que mais explicaria o ato de escrever com letras grandes?).

Paulo não escrevia as suas cartas, mas ditava para um amanuense (escriba), e apenas postava uma saudação final e assinava as epístolas (Rm 16.22; 1 Co 16.21; Cl 4.18; 2 Ts 3.17; Fm 1.19); entretanto, parece que na urgência do assunto e na falta de quem escrevesse para ele, escreveu ele mesmo, com grandes letras, a carta aos Gálatas. Este fato pode indicar um problema visual grave.

A Bíblia relata muitos casos de "não cura". Jesus, à beira do tanque de Betesda, aonde “jazia grande multidão de enfermos: Cegos, mancos e ressicados” (Jo 5:3), curou apenas UM PARALÍTICO. Pedro e João, à Porta Formosa, aonde se juntavam muitos doentes esmolando, curaram apenas um paralítico (At 3). No AT também vemos exemplos de pessoas, como Eliseu, cheias do poder de Deus mas que não "curaram a si mesmos"...

Não duvidamos da cura de Deus! Ele é poderoso para curar qualquer enfermidade, por mais simples ou mais terminal que seja! Conhecemos relatos de pacientes com câncer terminal foram completamente curados pelo poder de Deus, e conhecemos relatos de outros pacientes que não foram curados, mas morreram em decorrência da enfermidade. Deus é soberano! Contudo, oramos por todos os enfermos que nos pedem oração por cura, impondo-lhes as mãos, crendo que Deus pode curá-lo. O que não cremos é que Ele tenha a obrigação de curar TODAS as enfermidades sob as ordens dos homens! Ao contrário, cremos que a SOBERANIA dEle está acima de qualquer coisa! Ele é Senhor, e nós, Seus servos, meros cacos de barro!